As agências reguladoras surgiram no Brasil na segunda metade da década de 90, na esteira de uma série de privatizações e concessões de infraestrutura pública à iniciativa privada. Foi nesse cenário que nasceu a Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR). A entidade acaba de completar duas décadas de existência e está em meio a debates no segmento que incluem a votação de um projeto de lei de regulamentação do setor e a um movimento de fusões de agências nas esferas estadual e federal.
Na entrevista a seguir, Fernando Franco, presidente da ABAR, fala à seção Cinco Perguntas sobre os 20 anos da Associação e sobre o papel das agências reguladoras na dinamização da economia brasileira.
ASSOCIAÇÕES HOJE: A ABAR acaba de completar 20 anos de fundação. A entidade foi criada na esteira de iniciativas de desestatização lançadas ainda durante o governo FHC, e de lá para cá ocorreram muitas outras concessões – a exemplo de uma rodada mais recente, na área de aeroportos. O que mais mudou no trabalho das agências reguladoras desde a criação da ABAR?
FERNANDO FRANCO: Desde a criação da ABAR, as agências reguladoras se disseminaram pelo país, existindo atualmente entidades federais, estaduais, municipais e intermunicipais. Hoje, a ABAR reúne 61 dessas agências. Com esse avanço, assistimos a um desenvolvimento singular da infraestrutura brasileira em diversos setores regulados, como telecomunicações e transportes. Nesse período, foram feitos bilhões e bilhões em investimentos de grande porte no país e os consumidores brasileiros passaram a ter acesso a serviços de melhor qualidade, em mercados com maior concorrência. A onda recente de leilões bem-sucedidos em transportes mostra bem o papel das agências como entidades de Estado, cujas competências e responsabilidades são capazes de manter o desenvolvimento dos mercados mesmo durante transições governamentais.
LEIA TAMBÉM:
– Cinco Perguntas: Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups
– Abrati: associação vai ao STF para barrar transporte de passageiros via aplicativo
AH: Houve episódios em que as privatizações e concessões sofreram forte resistência da opinião pública. O trabalho da ABAR também é o de conscientização da população sobre prós e contras de privatizações e concessões ou a entidade não se envolve nesse aspecto do debate?
FF: Apesar de presente em diversos momento da economia e da sociedade brasileiras, a compreensão da regulação e sua importância costumam ser pouco perceptíveis. Em princípio, as agências reguladoras existem para manter equilibrado o tripé entre os interesses de governos, empresas prestadoras de serviços e seus consumidores. As agências são, portanto, fundamentais nos processos de privatizações e concessões, servindo como instrumento de implementação, regulação e fiscalização desses serviços. Mais do que mostrar os prós e contras desses processos, a ABAR e as agências têm como papel mostrar para a sociedade as competências das partes envolvidas e a importância de manter esse tripé regulatório saudável, para a busca do desenvolvimento dos setores específicos e do país como um todo. Mesmo depois de mais de 20 anos da implantação da Anatel, a primeira agência reguladora do Brasil, muitas vezes o papel das agências ainda é confundido com governos ou mesmo com Procons, exigindo ações constantes de esclarecimentos
AH: Discute-se no momento a fusão entre ANTT e Antaq, agências reguladoras da área de transportes, e recentemente o estado do Rio de Janeiro anunciou a unificação de agências reguladoras. Qual a posição da ABAR sobre iniciativas como essas?
FF: Por princípio, as agências reguladoras implicam aprimoramentos constantes de normas em seus setores. Portanto, sempre é possível melhorar as suas ações. A ABAR defende, contudo, que todo e qualquer aprimoramento do sistema regulatório deva respeitar princípios fundamentais das agências, como a independência decisória, os períodos de mandatos atuais dos diretores e, obviamente, os contratos estabelecidos. Isso costuma resultar em transições sem rupturas e com previsibilidade para os agentes envolvidos, fundamentais para a confiança dos investidores e a proteção dos consumidores.
AH: Desde 2013 o Congresso discute, entre idas e vindas, o Projeto de Lei das Agências Reguladoras, que prevê medidas como a exigência de as agências prestarem contas anualmente ao Congresso Nacional e o aumento de quatro para cinco anos do mandato de dirigentes, sem possibilidade de recondução. Quais pontos do projeto a ABAR considera imprescindíveis e a quais a entidade se opõe?
FF: No aspecto geral, não restam dúvidas de que o projeto de lei traz alguns avanços que constituem, no curto e médio prazos, um ambiente regulatório mais sólido. Contudo, determinados avanços são extremamente tímidos em face da oportunidade que o país encontra neste projeto de suplantar todos aqueles aspectos que de alguma forma implicam no ambiente regulatório ainda em maturação. É importante salientar as alterações realizadas no âmbito da Câmara pelo relator Danilo Forte (PSDB-CE) – várias de sugestões das agências reguladoras -, que constituíram um avanço. Seu texto reforçou principalmente a autonomia das decisões das agências, evitando revisões pelos órgãos de controle, além de proteger os seus gestores. Para nossa surpresa, alguns desses avanços foram retirados no Senado, retroagindo, assim, a um texto mais tímido. Quanto ao fim da recondução, a ABAR vê essa mudança como retrocesso, posto que teríamos centenas de profissionais experientes afastados ou impossibilitados de aplicar essa experiência, por conta de uma ideia pequena de que alguns desses poderiam ser cooptados por ocasião da sua recondução. Outro artigo preocupante e prejudicial à regulação é aquele que tenta dar às agências um caráter de órgão de defesa do consumidor, o que fragilizaria a defesa do tripé mencionado na segunda resposta.
AH: Durante a campanha eleitoral, o agora presidente Jair Bolsonaro fez diversas críticas às agências reguladoras, que, segundo ele, burocratizam o Estado e os negócios. Em que pontos a ABAR concorda com o presidente e em quais discorda?
FF: A ABAR atua de maneira firme para que as agências reguladoras tenham a sua autonomia decisória e financeira respeitadas, e isso independe de uma política a ser implantada por quaisquer viés político ou ideológico. Para nós, as agências reguladoras são órgãos de Estado e, como tal, as suas decisões são tomadas e deverão ser respeitadas. Os governos estão percebendo que, para avançar nos programas de concessões e privatizações, o fortalecimento das agências é fundamental. Infelizmente, para aqueles que pouco conhecem sobre o funcionamento da regulação, ainda existe uma confusão em torno do processo de escolha dos dirigentes. As nomeações feitas por governo executivo e sabatinadas pelo Legislativo não podem ser confundidas com nomeações político-partidárias. É importante destacar que esse modelo é adotado em todo o mundo, mas ele não pode ser desvirtuado para a indicação com um viés político-partidário. A ABAR vem atuando firmemente contra tentativas dos governos de intervenções partidárias e de restrição da autonomia decisória e financeira das agências.
Cinco Perguntas: Fernando Franco, presidente da ABAR

- Publicidade -